quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

ELE

Onde ele pousa quando o corpo cansa?

Onde ele se deita quando o corpo pesa?

Com quem ele se encosta quando o desejo aperta?

E quem o desperta?

E quando o incômodo bate de quem ele se esquiva?

Pra onde ele se guia?

Toda vez que o medo fere pra onde ele recua?
Quem ele busca?

Ele navega dentro de mim

Me entorpece com a sua presença

Investiga.

E como bom jogador acerta o alvo.

Ele é o meu baralho,Eu sou só mais uma carta.

Ele é o meu ardor,O receio que penetra a alma, o corpo

Eu sou só mais uma opção

Mas ainda assim eu faço parte do seu destino.

Eu sei.
Ele é só mais um dos desatinos do meu caminho

Mas o que me importa?

Eu quero mesmo é saber:Qual a sua direção?

Porque a escolha é minha

Mas o sentido é ele.

E seja o que for

E valha o que não vale

É por ele que o meu corpo pousa

Chora

Sente medo.

É esse homem que abrange o meu refúgio

A minha paz de ser: meramente querer

E na hora do pouso

Por quê não pousar o corpo dele sobre o meu?


BICHOS ESCROTOS


Tinha 5 anos quando sentou naquela cadeira pela primeira vez. O coração partido. No entanto, passou 2 semanas desenhando e logo foi liberada. Sobre a declaração enfática da psicóloga: “ Sua filha tá ótima com o divórcio.Não tem nada.Quem precisa de análise é você”, metralhava nos ouvidos da Mãe.Palavras que durante muito tempo viraram ecos na língua do Pai.Como que pra vangloriar a filha - no íntimo – rachava o elogio. Eram parecidos. Não tinha problema a pequena.Brincava, desenhava, livrava-se do jargão de “criança-problemática-portadora-de-análise”.

Mas a verdade é que depois disso, ou mesmo muito antes, a moleca sempre sofrera de amor. Passava mal, tinha sintomas. O tempo se arrastou e aos 13 anos não houve jeito.Voltou. Como que por nada o Pai perguntou se queria fazer terapia. Sem querer, consentiu.

Entrava, assim, para nunca mais sair. O seu distúrbio?Amava demais. A paixão lhe dava tonteiras, fraqueza, uma aparência amarelada, aquela coisa estufada. O bando de barulhos estranhos que existia dentro dela. As pessoas que era levada a pensar todo dia. Desfigurá-las, ou reiventar-se?

Raras vezes foi uníssona com a vida. Tudo era muito dissipado, com ininterruptas cisões. Teve medo de perder as coisas e ficou muito apegada a si.

Com 16 detectou o motivo de seus lapsos. A sua dor, a sonolência típica, a falta de concentração vinham de algum tumor incrustado no seu cérebro. Desde a infância?! Só podia ser! Aquele eterno estado de despedida, a tristeza hereditária, o autismo alimentado. Tudo isso sempre tivera uma explicação plausível.

Não contou para ninguém, a não ser para a médica, que a induziu a manter segredo. Então, deu início às despedidas, chorava dizendo “eu te amo” para os parentes e declarava em tom de partida para Ele de fronte ao espelho: “ eu te escrevendo carta de amor e você insistindo em inexistir...”.

Superou. Recebia uma redenção! Enfim, ia para o divã! Sentia êxtase só de pensar nisso. Uma felicidade estranha, uma sensação de recomeço. Havia 5 anos que ia naquele lugar e nunca o desfrutara. Aquilo pra ela era quase uma passagem espiritual.Um livre-arbítrio?!

Até que veio a notícia fatídica: a madrasta – figura desestruturante e sem sal – teve com o divã já no seu segundo mês de tratamento. Entrou em pane. Sentiu náuseas. Falta de ar. Anemia.

Em crise, teve uma revelação: de fato, o que possuía era um aneurisma. Ah todos esses anos se equivocou com os indícios. Mas, dessa vez ia até o fim! Partia pra cima, pro exame!A sua tão procurada disfunção cerebral era algo grande, fatal! Tinha certeza.

No fundo, no fundo, admitia: achava um máximo essa história de morrer cedo. Aquele jeito poético de não ir até o fim, de não ter que falhar.Era profunda demais pra viver.Casar? Ter filhos?Como? Era circuncidada pro amor, fora castrada aos 5.

Desistia. Aos 20 se tornou foragida, até hoje não se sabe se por falta de grana, ou, vontade própria. Mas sabia que pelo diagnóstico da psiquiatra, de lá só sairia na casa dos 50 e achou aquilo muito tarde para começar a viver. Todo aquele preparo, a imutável perturbação.

Deduziu que defeito era personalidade e numa crise de riso trancada no banheiro descobriu: sofria de uma verminose qualquer.

Transformada, sem aqueles bichos escrotos, expurgava pra si a Extrema-unção!



“Olho na pressão, tá fervendo, olho na panela. Dinamite é o
feijão cozinhando dentro do molho dela”. (Lenine)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007



FEMISSÍVEL




Desde outras vidas


Minha dádiva, meu karma


É a sensibilidade




Minha alma


É papel carbono,


Qualquer coisa marca


Mas quase não aparece.




É um mar de sentimentos,


Às vezes tempestade


Às vezes água sem cor




Minha alma sempre vê o mundo


Com os seus olhos domésticos


Querendo retê-lo


Mas não consegue arrematá-lo num lance




É como ter a vida


Num convite que vai e que nunca vem




Como uma tarde vadia


Que ao se despedir me esvazia




Minha alma não consegue aceitar


Ter menos sabor




Não aceita ser menos porque a vida é mais


Não aceita ter que ser


Menos mulher, menos princesa




Não engole o pouco


Porque o pouco pra ela


Vale nada


E o nada é interessante


Mas não compra


Não adquire




Desde outras vidas


Minha alma é assim...


Não sabe se vai, ou se fica




É sensível


Quer a morte como quer a vida


Desde outros amores,


Ela é assim distraída




Não aceita ter de ser um


Quando quer ser tudo


Quando quer o mundo




Não entende


De que vale o eu quando devia ser nós?




Minha alma ambícia


Novas histórias


Ela carece de mais


Do que o menos que existe




Porque minha alma mesmo


Quando pensa


que quer pouco


Pede muito